sexta-feira, 5 de outubro de 2007

GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU - "O Ódio da Ponte"


Katia Rebarbado d’Abreu – Boa noite, Professor.

Professor Cavaco Silva – Boa noite, Dona Katia Rebarbado d’Abreu.

Katia Rebarbado d’Abreu – Antes de mais, em nome de todos os blogonautas portugueses, gostava de lhe agradecer a sua disponibilidade para esta entrevista, sobretudo, quando toda, ou quase toda, a Comunicação Social Nacional o acusa de um ensurdecedor silêncio.

Cavaco Silva – Acredite que é todo meu, o prazer de estar aqui, esta noite, para responder às suas perguntas.

Katia Rebarbado d’Abreu - Professor Cavaco. Silva: por três vezes, nas Legislativas de 95, nas Presidenciais de 96, e, mesmo antes, embora simbolicamente, no Garrafão da Ponte, os Portugueses disseram-lhe ostensivamente "NÃO". Por quê, então, esta súbita insistência no regresso à política activa?...

Cavaco Silva -- Minha senhora, como sabe, nestes últimos 10 anos, muita coisa se transformou em Portugal, os Portugueses passaram por muitas experiências, sobretudo, por muitas más experiências, e, de certa forma, aprenderam a distinguir a boa moeda da má moeda. Quando me decidi a apresentar-me como candidato presidencial, penso que venho ao encontro desta enorme necessidade de amadurecimento e mudança da sociedade portuguesa.

K.R.A. – Para muitos Portugueses, essas más experiências, que referiu, são fruto e consequência directa dos dez anos em que governou Portugal, nalguns meios, conhecidos, mesmo, pela depreciativa designação de The Great Portuguese Disaster…

C.S. – Do meu ponto de vista há algum exagero nessa apreciação, sobretudo agora, em 2005, em que procuro aparecer, com uma imagem renovada de progresso e esperança.

K.R.A. -- Mas tem consciência de que este seu súbito reaparecer na cena política nacional, ao contrário de um movimento de renovação, veio reintroduzir um estado eventualmente mais pantanoso do que o anterior?...

C.S. -- Mais pantanoso, como, minha senhora?...

K.R.A. -- Mais pantanoso, porque, como consequência dos rumores da sua candidatura, o octogenário Mário Soares, por muitos considerado a epígrafe, discutível, ou não, da nossa Democracia, se sentiu na obrigação de se colocar como seu adversário. Porque, por sua vez, esse súbito avanço de Soares teve como consequência vir pôr a nu algumas clivagens internas do P.S., ou seja, remeteu para quezílias locais um momento de intervenção cívica que deveria ser de renovação e esperança, limitando-se a fazer rodar num palco, já de si desgastado pelas circunstâncias, nacionais e internacionais, velhos actores de velhos papéis...

C.S. -- Minha senhora, o que me fez avançar foi apenas um imperativo de consciência, porque não me resigno, porque conheço muito bem a razão das dificuldades que atravessamos, porque sei que posso ser um factor de confiança, de estabilidade e de credibilidade...

K.R.A. -- Repito que, nos últimos 10, 11 anos, por 3 vezes, os Portugueses se pronunciaram e lhe disseram o contrário…

C.S. -- Fala-me de 3 vezes... sinceramente, não me lembro dessas 3 vezes… Que me recorde, a única vez em que fui preterido pelos Portugueses foi em favor do doutor Jorge Sampaio...

K.R.A. -... e já antes, na derrota de Fernando Nogueira...

C.S. -- Mas aí, como se deve lembrar, o derrotado foi Fernando Nogueira, não eu...

K.R.A. -- ... ou antes ainda, naquilo que muitos designaram pelo "Rally do Ódio", em que o professor foi publicamente humillhado, no garrafão da Ponte...

C.S. -- Minha senhora, temos estado a falar de actos eleitorais...

K.R.A. -- E eu a recordar-lhe que, de acordo com a longa história de emancipação dos direitos de liberdade e cidadania dos povos, as maiores manifestações de desagrado se fizeram, não nas urnas, mas nas ruas, ou seja, sendo mais objectiva, no caso português, desde o Verão Quente de 1975, que não se via um levantamento popular como o que sucedeu no garrafão da Ponte.

C.S. -- Minha senhora, muito sinceramente, não vejo que o que aconteceu na Ponte tivesse a ver directamente comigo. Tanto quanto me lembre, isso são coisas muito antigas, havia umas quantas pessoas, deixe que lhe diga, com uma educação que, do meu ponto de vista, muito deixava a desejar, que se estavam a recusar a cumprir os seus deveres de contribuintes, e a impedirem que o Estado fizesse as cobranças a que tinha direito, num momento em que, justamente, todos os indicadores de preços, e eu posso trazer-lhe todos os recortes do "Financial Times" dessa altura, dizia eu, todos os indicadores de custos apontavam para uma urgente necessidade de aumento de custo das portagens...

K.R.A. -- Portanto, do seu ponto de vista, toda aquela massa humana se limitava a um bando de iliteratos que não tinham sabido interpretar os indicadores do "Financial Times" ...

C.S. -- Se quiser colocar a questão desse ponto de vista, também a aceito... Para mim, a questão era bem clara: durante toda a semana, as curvas financeiras vinham a apontar para uma necessidade de aumentar as portagens, de modo a evitar um irreparável desequilíbrio no binómio custos/receitas. Aliás, se bem se lembra, a normalidade foi rapidamente restabelecida, com a intervenção das forças da ordem, e o Estado de Direito ali mesmo salvaguardado.

K.R.A. -- Há quem continue a ver, nessa "intervenção", um lúgubre regresso às célebres cargas policiais do tempo da Ditadura... Da qual resultou, aliás, como mais dramática epígrafe, uma bala que tornou irremediavelmente paraplégico um jovem que apenas se tinha deslocado ao viaduto do Pragal, para se inteirar do que estava a acontecer...

C.S. -- Minha senhora, terá de me dar razão, o bom senso aconselhava qualquer cidadão prevenido a não se deslocar a um... digamos... campo de batalha, sem que o movessem razões realmente urgentes. Deixe que lhe diga que eu próprio fui jovem, assisti a muitos conflitos provocados por agitadores durante o tempo de estabilidade, progresso e esperança governativos do Professor Doutor Oliveira Salazar, e nunca tive..., não tinha... a tentação de sair a rua nessas ocasiões, mesmo, repito..., mesmo, quando outros estudantes, mais desprevenidos, o faziam. Reza um provérbio algarvio que cada um sabe de si, e que só Deus é que sabe de todos... Para mais, tenho de lhe confessar, só muito depois é que fui informado desse, enfim, desagradável... acontecimento..., que hoje, dez anos passados, e com a experiência e o conhecimento que tenho da realidade portuguesa, obviamente lamento, mas a verdade é que, como a senhora sabe, que lê jornais, ouve rádios, vê televisões, coisas dessas acontecem diariamente na cena mundial, e, deixe-me que lhe diga, comparativamente com a situação social da nossa Aldeia Global, Portugal continua a ser um oásis, minha senhora, Portugal continua a ser um oásis, relativamente a muitos países do Mundo, por exemplo, o Iraque, ou o Afeganistão, em que tão recentemente um dos nossos jovens mancebos perdeu a vida e outro ficou gravemente ferido, um oásis, relativamente a um mundo em que, todos os dias, jovens ficam paraplégicos, devido ao disparo perdido de balas reais, por armas de borracha...

K.R.A. -- De balas de borracha, disparadas por armas reais, quer o Professor dizer...

C.S. -- … isso… isso…

K.R.A. -- Que, naquele caso, eram mesmo balas reais, e disparadas por armas reais, sobre a população portuguesa...

C.S. -- Se quiser encarar isso assim, terei de lhe acrescentar que, do ponto de vista jurídico, nada ficou provado, e que nem os tribunais deram qualquer tipo de relevância ao caso. Do meu ponto de vista, e resumindo, tudo não passou de um pequeno episódio necessário para restabelecer a Ordem Pública, e que, posteriormente, como é muito hábito em Portugal, o caso, ao contrário da imprensa estrangeira, foi desagradavelmente empolado pela nossa Comunicação Social.

K.R.A. -- Para muita gente, pelo contrário, a Ponte continua a ser vista como o Espaço da Insurreição, ou, como disse o Presidente da República de então, o Dr. Mário Soares, um exemplo real de um exercício daquilo que ele designava por "direito do povo à indignação", assistindo-se no Portugal Democrático, à primeira vez em que, desde o 25 de Abril de 1974, um político e o Poder caíam, redondos, na rua.













































GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU - "A morte afectiva e política do Paizinho"

C.S. -- Minha senhora, a História pode ter todas as interpretações que lhe quiser dar. O máximo que lhe posso dizer, dez anos passados, é que a minha não coincide com a sua...

K.R.A. -- De facto, não coincidem, a minha leitura do Levantamento da Ponte é a do fim de um contrato afectivo que nunca mais se reescreveu entre si e o Povo Português. De algum modo, há mesmo quem compare os acontecimentos da Ponte ao trágico 1905, em que, em São Petersburgo, o Czar Nicolau II mandou disparar sobre as massas que se manifestavam, debaixo da sua janela, gritando-lhe que tinham fome. Diz a História que Nicolau mandou disparar, porque teve medo das multidões, que nem sequer eram agressivas. Cerca de 12 anos depois, a Revolução Russa veio-lhe, tragicamente, revelar que havia sido, nesse mesmo dia, que se tinha irremediavelmente quebrado o pacto de paternalidade existente entre o Czar e o seu povo...

C.S. -- ... sim, parece-me já ter ouvido falar disso... (tosse. Agarra no copo de água e bebe).

K.R.A. – Agora, muito directamente, e regressando à actualidade, suponha que o Professor é o próximo ocupante do Palácio de Belém...

C.S. -- ... como espero ser...

K.R.A. -- ... que, como espera, seja o próximo ocupante do Palácio de Belém, e que, como aconteceu no Verão de 2004, com o anúncio da escolha de Durão Barroso para Presidente da Comissão Europeia, uma grande multidão se reúne diante do Palácio para o pressionar a tomar uma atitude musculada, no caso vertente, uma dissolução da Assembleia da República. Seria capaz, sentindo-se ameaçado, como o Czar, de 1905, ou o Professor Cavaco Silva, Primeiro-Ministro de 1994, de, de novo, recorrer ao uso de disparos de armas de fogo?...

C.S. -- Está-me a perguntar como reagiria eu, perante uma manifestação que, como se sabe, foi convocada por pequenos grupos de Esquerda, para forçar, em 2004, o Presidente Jorge Sampaio a dissolver a Assembleia Nacional?...

K.R.A. -- ... a Assembleia da República...

C.S. -- ... isso... Bom, na minha pergunta, já está, de certa maneira, contida a resposta: tratou-se de uma agitação pontual, provocada por grupos esquerdistas, pouco representativos da sociedade portuguesa... Não, minha senhora, não... nada disso teria a ver com as tais circunstâncias especiais ligadas ao futuro do País. A minha atitude seria a mesma.

K.R.A. -- Que mesma?... A do Presidente Sampaio, de 2004, ou a do Primeiro-Ministro de Portugal, dos Anos 90, que disparou mesmo sobre a multidão?...

C.S. -- Minha senhora... não fui eu que dei qualquer instrução nesse sentido. A manutenção da Ordem Pública encontrava-se a cargo do Dr. Dias Loureiro, por minha escolha, então, Ministro da Administração Interna, e só lhe posso acrescentar que, creio, ele terá desempenhado exemplarmente o seu papel, nessas circunstâncias críticas. Aliás, como sabe, ele integra, hoje, a vasta Comissão de Honra que suporta a minha candidatura presidencial.

K.R.A. -- Quer dizer que, em circunstâncias excepcionais, de mobilização de massas, continuaria a não ter medo, e nunca voltaria a recorrer à violência?...

C.S. -- Não estou a ver a que circunstâncias se possa estar a referir...

K.R.A. -- Factos consequentes de agitações grevistas, de tumultos resultantes do crescimento descontrolado do Desemprego, da desagregação do tecido social, por exemplo, ou, mais ainda, de factos como os recentemente ocorridos em França, por exemplo...

C.S. – Não… não… não, minha senhora, aliás essas ordens de... como a senhora diz… "disparar", são da estrita competência do Governo, e eu estou a candidatar-me a Primeir..., perdão, a Presidente da República, não a Primeiro-Ministro de Portugal!...

K.R.A. -- Quer isso dizer que o Professor continua a ser um homem que nunca tem medo e que raramente se assusta?...

C.S. -- (risos) ... excepto, claro está, em circunstâncias excepcionais (risos).

K.R.A. –- Portanto, os Portugueses devem sentir-se serenados, por saberem que continuam a ter perante si um homem de convicções, e há mesmo quem diga que, como homem de convicções, o professor nunca se recompôs verdadeiramente da sua derrota perante Jorge Sampaio, ou seja, de que já era sua convicção de que quem então se enganou, em 1995, foi o Povo, e não o Professor, e de que este inesperado regresso, em 2005, não passa, afinal, de uma tentativa de um velho ajuste de contas, ou, na postura a que tantas vezes nos habitou, de uma nova oportunidade académica de dar uma "lição", visivelmente agastada, a um público eventualmente muito mais vasto e amadurecido.

C.S. -- ... não... nada disso... Aliás, julgo já ter deixado claro e evidente, por diversas vezes, que não me candidato contra ninguém. Pelo contrário, eu candidato-me para ajudar o país a vencer as inúmeras dificuldades em que hoje está mergulhado, e para o orientar na construção de um futuro melhor. O meu compromisso é exclusivamente com Portugal, e com o bem dos Portugueses, de todos os Portugueses. Eu sei que Portugal pode vencer.

K.R.A. -- Mas a realidade é que a sua reaparição no palco político, na óptica de muitos comentadores, se limitou a um ressuscitar de velhos fantasmas, e há mesmo vozes, na Opinião Pública, que incessantemente repetem que o senhor é apenas a face visível de forças muito mais sombrias, que nunca se conformaram com a existência, em Portugal, de um sistema democrático, e que agora encontram a altura e o candidato ideais para se manifestarem...

C.S. -- (risos) devo depreender, pelas suas palavras que sugere que a minha candidatura poderia ser a face sorridente de uma ascensão da extrema-direita, tal como tem vindo a ocorrer em diversos países europeus… (risos)

K.R.A. -- (risos) ... de modo algum…, aliás, suponho que o "le-penismo" esteja circunscrito ao hexágono francês...

C.S. -- Minha senhora, a senhora conhece-me...

K.R.A. -- Sim, claro que sim, conheço-o eu e conhecem-no mais dez milhões de Portugueses, se considerarmos todos os nascidos depois de 1985, e esse é, justamente, um dos problemas da sua candidatura: os Portugueses o conhecerem bem de mais… Mas, voltando à actualidade, não acha que 2005 seria a ocasião mais adequada para deixar espaço para que, de todos os quadrantes políticos, houvesse oportunidade para que avançassem candidatos bem mais jovens?...

C.S. -- Bom, espero que a senhora não me esteja a chamar de velho... (risos)

K.R.A. -- (risos)... Não, obviamente que não: num país que reequacionou a idade da reforma para os 65 anos, e que, como todos os estudos apontam, a irá ainda fazer subir, durante a presente maioria absoluta e o próximo mandato presidencial, para os 68, ou mesmo 70, o professor, é, obviamente, ainda um jovem, assim como o doutor Alegre é um inconsciente"teenager", consumidor de álcool, e o doutor Mário Soares, um Don Juan, de 30 anos. Mas não é sobre isso que eu me queria pronunciar. Não acha que o cenário das Presidenciais de 2006, pela ordem natural das coisas, devia ter apresentado, ao lado de Jerónimo de Sousa e de Francisco Louçã, nomes como os de Guterres, Santana Lopes e Paulo Portas?...

C.S. -- (silêncio) Minha senhora, recentemente, já tive oportunidade de me pronunciar sobre a "má moeda". Espero que não me obrigue, agora, a pronunciar-me aqui, para além da má moeda, também, sobre a péssima moeda...

K.R.A. -- Essa sua célebre análise sobre a "boa e a má moeda" seria, hoje, obviamente, extensível ao Eng. Sócrates e ao seu governo. De que lado situaria então o Eng. Sócrates: do lado da boa, ou da má moeda?

C.S. -- (silêncio) Minha senhora, recentemente, tive oportunidade de me pronunciar sobre esse assunto, e volto aqui a repetir-lhe o que já disse a um dos seus colegas da Comunicação Social: ainda é muito cedo para avaliar a acção do governo do Eng. Sócrates.

K.R.A. -- Qual, então, o tempo ideal para essa pronuncia?...

C.S. -- A seu tempo, a senhora, assim como todos os Portugueses, o saberão...

K.R.A. -- Há já quem avance com o momento desse pronunciamento para o dia seguinte ao da sua eventual tomada de posse como Presidente da República... Ou estará, porventura, à espera do fim da Legislatura para avaliar o desempenho do Governo P.S.?

C.S. -- Repito-lhe: a seu tempo, a senhora, assim como todos os Portugueses, saberão o que eu penso, e irei fazer, relativamente a esse assunto...




































GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU - "A Economia Medíocre"

K.R.A. – Se há expressão que ultimamente o tenha notabilizado foi a de “Economia Medíocre”. Do seu ponto de vista, Professor, o que é uma economia medíocre?...

C.S. – Minha senhora, a resposta à sua pergunta é… elementar: uma economia medíocre é o estado económico em que Portugal presentemente se encontra.

K.R.A. – Conseguiria, mais precisamente, defini-la?…

C.S. – Bom… (silêncio. Bebe um copo de água)

K.R.A. – Posso ajudá-lo? Do ponto de vista de vários analistas, a Economia Medíocre, de que o Professor fala, é aquela onde as indústrias não produzem nada que se consiga vender lá fora, nem cá dentro, onde, consequentemente, as pessoas são obrigadas a importar todos os produtos que usualmente utilizam, desde os mais correntes, do quotidiano, até aos chamados “objectos de luxo”, onde o Estado e os intermediários vivem numa situação de permanente usura e cego encarecimento de bens, dos estritamente indispensáveis aos de aparato, através de todo o tipo de taxas e impostos, e tudo isto num cenário onde Portugal continua a apresentar dos salários mais baixos do Espaço Comunitário, e onde, ao contrário deste, a Classe Média é residual, e obrigada a viver como que entalada entre uma elite, que tudo se permite, e uma gigantesca base, cada vez mais crescente, de desfavorecidos… Para muitos, isto é a Economia Medíocre de que o Professor fala.

C.S. – Bom, se quiser enfatizar a situação, eu até posso aceitar que veja as coisas desse modo, mas esse não é o retrato fiel do Portugal de progresso e estabilidade a que eu quero presidir…

K.R.A. – mas este é o Portugal que presentemente se lhe oferece, o Portugal atolado na mais profunda Política Medíocre…

C.S. – Minha senhora, permita-lhe que discorde… Eventualmente, terei exagerado nessa expressão. No sentido em que lhe dá, “economia medíocre” parece referir-se a um estado de coisas completamente paralisado. Ora, deixe que lhe relembre que a área do meu Doutoramento não foi propriamente a da Economia, eu sou antes um académico, um especialista em Finanças Públicas…

K.R.A. -- … que, como toda a gente sabe, consequência da economia medíocre, também se encontram num estado lastimoso…

C.S. – É por isso que eu sempre defendi a importância do Sector Privado. A senhora olha para o sector privado, e não vê as finanças do Sector Privado num estado lastimoso. Atente-se, por exemplo, no crescimento dos bancos, das companhias de seguros, de alguns sectores de ponta da actividade…

K.R.A. – Não discuto isso. Discuto que isso poderia ser mais um sinal da doença, e não da saúde, e, acima de tudo, da inoportunidade da sua intervenção. Relembro, aliás, que o Professor Cavaco gosta de ser conhecido como um homem reservado, mas acontece-lhe que, sempre que intervém publicamente, acaba por emitir juízos de valor, que, rapidamente, se transformam em aforismos, e, como tal, são repetidos vezes sem conta. Também são seus, e não menos célebres, o “raramente me engano e nunca tenho dúvidas”, a comparação entre “a boa e a má moeda”, e, agora, a ideia da “economia medíocre”. Deixe que lhe diga que essa intervenção pode ter tido, sobre um país mergulhado na apatia e disforia, um efeito semelhante ao infeliz “país de tanga” com que Durão Barroso, o mais querido dos seus discípulos, se bem se lembra, inaugurou o ciclo de recessão económica que atravessamos…

C.S. – Convenhamos que também havia algum exagero na expressão de Durão Barroso, já que, é certo que existia um enorme “deficit” público, mas relembro-lhe que o sector financeiro privado estava de excelente saúde…

K.R.A. – Então, a expressão ideal para esse estado de coisas poderia ser, por exemplo, e recorrendo a uma metáfora na mesma linha da do Dr. Durão Barroso, “um país de tanga, com uma Finança revestida de sedas”.

C.S. – (sorriso) Tenho de lhe confessar que isso já se aproximaria mais da minha própria apreciação da situação actual.

GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU - "As Finanças de Seda do País de Tanga"

K.R.A – Do seu ponto de vista, Professor, quando se inicia o período da “Economia Medíocre”?...

C.S. -- … bom… vejamos (bebe um copo de água)

K.R.A. – Posso ajudá-lo? Com o Eng. Sócrates, não foi, de certeza, porque só leva 9 meses de governação. A verdade é que, quando Durão Barroso diz que o país “está de tanga”, certamente já se estava a referir a algo parecido com economia medíocre, porque um país de sólida economia, rapidamente recuperaria do ponto de vista financeiro público...

C.S. -- … sim… é uma evidência.

K.R.A. – Poderá dizer-me que a culpa foi do período em que António Guterres ocupou o cargo de Primeiro-Ministro

C.S. – Minha senhora, eu sou candidato presidencial, não sou um político profissional, e um dos meus compromissos para com os Portugueses foi, justamente, o de não vir aqui dizer mal de ninguém, portanto, também não virei aqui dizer mal do período do Eng. António Guterres…

K.R.A. – Então, compete-me a mim dizer-lhe que só sobram os dez anos em que o Professor foi Primeiro-Ministro de Portugal para situar, cronologicamente, o começo da Economia Medíocre!...

C.S. – A senhora, sabe, por acaso, quanto crescíamos ao ano, durante o período em que governei Portugal?... Mais de 4%, minha senhora, mais de 4%!...

K.R.A. – … com “deficits” e taxas de desemprego de 9%, com um agravamento brutal do fosso entre ricos e pobres, com o aumento da exclusão, com a generalização de fenómenos sociais, como os salários em atraso, as chamadas “greves patronais”, as falências fraudulentas, e sem punição, a multiplicação dos processos sub-reptícios, que permitiam a uma empresa fechar portas hoje, colocando no Desemprego centenas de trabalhadores, para logo no dia seguinte, reabrir ao lado, onde a mancha de miséria do Vale do Ave e da Península de Setúbal chegou ao extremo, onde mães de família eram lançadas para a berma da estrada, para se prostituírem, como única fuga possível à miséria, onde encerraram empresas emblemáticas, como a Fábrica de Cristais Irmãos Stephens, que durava desde o tempo do Marquês de Pombal, a célebre C.U.F., que datava do mais longo período de estabilidade política português, o do Dr. Salazar, e mais dezenas e dezenas de outras que não poderíamos enumerar aqui…

C.S. -- … minha senhora…

K.R.A -- … e tudo isto, com uma permanente injecção financeira, propiciada pelos Orçamento folgado do Estado, pelo dinheiro proveniente das privatizações, e, acima de tudo, dos Fundos Estruturais, que, em grande parte desapareceram, sem deixar rasto, ou deixando rastos duvidosos, como a proliferação de carros topo de gama, de barcos e aviões de recreio, de casas de gosto duvidoso, de moradias com piscina, de contas abertas no estrangeiro, de circulações de capitais por tudo o que era “off-shore”, por um escândalo tal, na Bolsa de Valores, que o próprio Professor foi chamado a intervir, de modo a que não se tornasse pública a operação de branqueamento que ali diariamente se processava, e não chegássemos a uma situação de colapso próxima do Grande “Crash” de 1929. E tudo isto, muito alegremente, com os Portugueses a presenciarem, a cada dia passado, que os dinheiros enviados pela União Europeia eram esbanjados e espalhados por todo o tipo de canais de circulação. Deixe-me dizer-lhe, Professor, que quem analisasse seriamente este período, lhe poderia dizer que a sua especialidade doutoral não seriam as Finanças Públicas, mas, sim, as Finanças Privadas…


C.S. –- Minha senhora, deixe que lhe diga que agora, passados dez anos, eu próprio não terei dificuldade em me pronunciar, dizendo que terá havido alguns excessos nesse período... Todavia, e como acho que devo serenar os Portugueses, e fazê-los voltar a acreditar, porque os Portugeses devem acreditar, e devem voltar a ter confiança no futuro, e devem estar certos que, comigo na Presidência, voltará a haver um rumo e uma expectativa nacionais, devo dizer-lhe, como em tempos respondi a um seu outro colega da Comunicação Social, que me interrogava sobre o hipotético desvio de Fundos, que eu nada sabia disso, mas que de uma coisa estava certo: é que continuavam em Portugal. É fácil criticar a melhor ou pior aplicação dos Fundos Estruturais, eu poderia mesmo dar uma aula, ou escrever um livro sobre isso, agora, do ponto de vista da minha análise positiva, uma coisa é certa, esses Fundos, uma vez vindos para Portugal, ficaram mesmo nas mãos de Portugueses, e eu nunca poderei ser acusado de os ter distribuído, de alguma forma, mesmo que inconscientemente, por outros povos, sei lá, minha senhora, sei lá, pelas mãos de Espanhóis, de Franceses, ou de Ingleses, por exemplo…

K.R.A. –- Acabou por o fazer a seguir, quando, não renovado, não preparado para a competitividade, ou, simplesmente, destruído, o tecido empresarial, obrigou os Portugueses a importar a maior parte do que consomem. O desequilíbrio da Balança Comercial mostra como hoje, dez, ou vinte anos passados, grande parte do dinheiro que deveria ser investido para desenvolver o nosso país, se some imediatamente, no fluxo de pagamento das importações. É um facto que o período em que o Professor foi Primeiro-Ministro se caracterizou, justamente, por uma concentração desse Fundos em mãos portuguesas, mas nalgumas, poucas mãos…

C.S. – Minha senhora, objectivamente, costuma dizer-se que, no meu tempo, entrava em Portugal um milhão de contos por dia. Um milhão de contos, dividido por dez milhões de Portugueses, dava, por alto, cem escudos, dos antigos, a cada um... Ora..., a senhora tem consciência de que ninguém poderia viver, mesmo naquele tempo, com cem escudos por dia... Julgo que foi uma opção inteligente, e deixe-me dizer-lhe que não me arrependo, aliás… digo-lhe mesmo que o voltaria a repetir, hoje em dia… julgo que foi uma opção inteligente ter dado um pouco mais a quem manifestava alguma iniciativa, optando por dar, digamos…, um pouco menos… a quem não manifestava qualquer tipo de dinâmica, e acabaria por esbanjar esses recursos precisos em operações sem qualquer impacto na Economia ou no Mercado Financeiro, como seria o de um cego consumir, que, infelizmente, nos continua a caracterizar…

K.R.A. – Explica assim o aparecimento súbito, e do nada, de instituições bancárias, que vieram alterar por completo o panorama financeiro português?...

C.S. – Alterar, e bem, na minha óptica… Atente-se, por exemplo, no Banco Comercial Português, minha senhora, seja de que ponto de vista o observe, ele é um exemplo positivíssimo, o exemplo de uma iniciativa privada, que, em menos de duas décadas, se transformou na instituição financeira mais sólida de Portugal…

K.R.A. -- … e recentemente, como deve estar recordado, ligada a uma suspeita de branqueamento de capitais… Como encara, Professor, a suspeita de generalizado branqueamento de capitais que paira sobre grande parte dos fluxos financeiros portugueses?...

C.S. –- Posso dizer-lhe que discordo profundamente da expressão “branqueamento de capitais”… aliás… (faz uma careta e bebe um copo de água) posso adiantar-lhe, em primeira mão, que, quando, como espero, for eleito Presidente da República, uma das primeiras coisas que farei será endereçar ao Governo de então…

K.R.A -- … ao Governo do Eng. Sócrates, portanto…

C.S. -- … esse, ou qualquer outro, que possa estar em funções, o pedido para a elaboração de um Livro Branco sobre o… enfim, chamado “branqueamento de capitais”, com o pedido expresso, e urgente, de que essa expressão alarmista seja retirada do léxico corrente da Comunicação Social. Não entenda isto como uma lição, veja simplesmente como fica mais bonito, e eu prometo aqui isso aos Portugueses: erradicar a expressão “branqueamento de capitais” e substituí-la por uma outra, muito mais dentro da nossa linguagem de Finanças Públicas, que é a de Circulação de Capitais de Origem Difusa, ou Indeterminada. Vê como fica imediatamente mais bonito
?...




GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU - "Cultura"

K.R.A. — Professor Cavaco Silva, falemos de Cultura. Para muitos Portugueses, quando se fala de “Cultura” a ideia que têm do Professor é a mesma que têm de Goebbels: saca logo do revólver… (risos)

C.S. – (risos) Por amor de Deus, minha senhora, isso é um disparate!... Leia o meu manifesto “As Minhas Ambições para Portugal”, e verá quantas vezes lá aparece a palavra “cultura”...

K.R.A. — Esse é um manifesto abstracto, que fala de um futuro que só poderá acontecer, na eventualidade de ser eleito. Eu gostaria de o interrogar sobre o passado, ou seja, sobre o tempo em que o Professor, quando, de facto tinha poderes realmente interventivos, como Primeiro-Ministro. Como resumiria a sua acção cultural, durante 1985-1995?...

C.S. – Olhe, minha senhora, antes de mais, aquilo que considero o maior testemunho cultural da minha governação, o Centro Comerci… perdão, o Centro Cultural de Belém. Quer melhor obra do que ter colocado à disposição dos Portugueses o Centro Cultural de Belém?...

K.R.A. — Uma excelente obra, que custou umas quantas vezes mais do que o inicialmente previsto, que ficou incompleta, dadas inconfessáveis cumplicidades que existiam entre Governo, Câmara Municipal de Lisboa, Lojas Maçónicas e outros interesses ocultos, como mais tarde se veio a demonstrar, enfim… a tentar demonstrar, no Processo da Universidade Moderna. Resumindo: até o Centro Cultural de Belém ficou incompleto, posto que os módulos finais, que se deveriam construir sobre os barracões "ataveirados" da Universidade Moderna, foram obstruídos pelos jogos de poder que já ali se digladiavam…

C.S. – Mas fiz lá uma ópera, minha senhora, a segunda grande ópera construída de raiz, desde o séc. XVIII. Parece-me que estou a ver a minha senhora, a Doutora Maria, a virar-se para mim e a dizer-me…, permita que confesse este momento da minha intimidade a todos os Portugueses… “Aníbal, agora, que és Primeiro-Ministro, gostaria de entrar, acompanhada por ti, pela primeira vez, num Teatro de Ópera”, e eu lembro-me de lhe ter respondido, “Maria, 40 000 000 de contos nos separam desse pequeno gesto”.

K.R.A. — Ou, como diria, o Poeta, a Maria sonha, o Aníbal manda, o Erário paga, a Obra nasce…

C.S. -- … isso.. Isso!... (bebe um copo de água)

K.R.A. — Falando de ópera: recentemente descobriu-se que eram ambos fervorosos melómanos, e que foram assistir à “Traviata”…

C.S. -- … de Wagner. Deixe que lhe diga, minha senhora, que saí de lá com os cabelos completamente arrepiados: aquele momento em que a Traviata, já tuberculosa, vem, Ta Tã Ta ta Tã!..., na Cavalgada das Valquírias, e depois se deita, já morta, com a sua lança num anel de fogo. Uma coisa gloriosa!... A minha esposa, em contrapartida, chorou muito na parte final, em que o Grande Wotan cantou “Di Provenza, il mar, il suol!...”

K.R.A. — Uma das críticas, que se faz ao seu período de governação, foi a de ter tornado o Teatro de S. Carlos no palco de uma parada de vaidades dos novos-ricos, de lá afastando os verdadeiros melómanos. Pensa, como Presidente, re-democratizar o acesso aos espaços culturais?...

C.S. – Minha senhora, com certeza de que não estava à espera de que eu pensasse, como o António Silva, daquele célebre filme (risos), que a Ópera era para os operários. Obviamente que, muito discretamente, o São Carlos foi redireccionado para as pessoas que tinham triunfado na nova dinâmica económica. Como sabe, os recursos são escassos, pelo, que na dinâmica de uma sociedade aberta, de livre comércio, só deve ter acesso a determinados patamares quem se bateu para lá chegar. A senhora, de certeza que não me estava a pedir que enfiasse, nas poucas centenas de lugares do Teatro Nacional de São Carlos, 10 000 000 de Portugueses!...

K.R.A. — Estava apenas a questioná-lo sobre se essas escassas centenas de lugares eram ocupadas pelas pessoas certas, ou por pessoas que iam sistematicamente utilizar esse espaço para rituais alheios à sua função…

C.S. -- … e deixe-me que lhe diga, também abri ao grande público o Teatro Nacional D. Maria II, se bem se lembra, colocando em cena, durante meses e meses a fio, com enormes filas à porta, aquilo que, confesso, considero a minha grande contribuição para o panorama artístico português, o imortal “Passa por mim no Rossio”, de Filipe la Féria, que, aliás, como sabe, também integra a minha Comissão de Honra.

K.R.A. — Quanto à Literatura, Professor, para além do ridículo episódio entre Sousa Lara e Saramago, pouco ficou…

C.S. – Minha senhora (olha para o papel)… houve Maria Roma, Pedro Paixão, Inês Pedrosa…

K.R.A. — Tudo nomes de primeiríssimo plano…

C.S. – Exactamente, e ainda bem que também aí me dá razão.

GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU - "Cultura e mais Cultura"

K.R.A. — Quanto à Arquitectura, é incontornável o nome de Tomás Taveira.

C.S. – (Tosse e bebe um copo de água).

K.R.A. — … como, aliás, é incontornável o fenómeno de proliferação descontrolada das periferias urbanas, com desertificação do Interior, e acumulação das populações em caixotes não-arquitectónicos, dormitórios explosivos, como recentemente se manifestaram, em França…

C.S. – Minha senhora, vai-me dizer que um residente, hoje, das urbanizações de Ranholas seria eventualmente, mais feliz numa terra sem água, luz ou televisão, nas proximidades de Fornos de Algodres?...

K.R.A. — Isso terá de perguntar às pessoas que lá vivem, não a mim…
Do mesmo modo, há quem o acuse de ter desfigurado Lisboa, importando para o interior do perímetro urbano soluções indignas do subúrbio de qualquer cidade europeia civilizada…

C.S. — Não, minha senhora… não…

K.R.A. – Sim, Professor Cavaco, sim, há mesmo quem diga que, no seu tempo, na esquina em que antes havia uma pastelaria tradicional, o senhor instalou um banco, aliás, um banco, um drogado e um pedinte…

C.S. — Por amor de Deus!...

K.R.A. -- … e que a situação de miséria, insegurança e ostentação era já tal, que, no final da 2ª Maioria absoluta, em cada esquina, já só se via um banco, um pedinte, um drogado e também um polícia, e quando havia que se cortar nalguma coisa, pois…, cortava-se no polícia!...

C.S. — Minha senhora que exagero!...

K.R.A. – Professor Cavaco Silva, quer-me, a propósito, falar de Droga, quer-me explicar que soluções apresenta hoje para o problema da Droga, talvez a epígrafe de todo o seu período enquanto foi Primeiro-Ministro?... Quer explicar aos Portugueses como é que, e basta traçar o paralelo com as cidades do país vizinho, com a sua agitada vida nocturna, quer-me explicar que medidas vai tomar para impedir que, mal caia a noite, 10 000 000 de cidadãos fiquem sujeitos a uma espécie de “recolher obrigatório”, que tornou os nossos núcleos urbanos reféns do medo de assaltos de uns quantos milhares de excluídos, eventualmente toxicodependentes, ou meros membros de “gangs” de excluídos, ou de indivíduos com comportamentos sociopatas potenciados?...

C.S. — Nas Minhas Ambições para Portugal… (bebe um copo de água)

K.R.A. – Nas suas ambições para Portugal…

C.S. — Nas Minhas Ambições para Portugal, assumo claramente que “não me conformo com as bolsas de pobreza e exclusão social” e que irei promover um combate efectivo “à toxicodependência e ao alcoolismo”…

K.R.A. – Como?... Promovendo políticas contrárias às do período em que governou Portugal, e em que todas essas bolsas tiveram início e se expandiram descontroladamente?... Lembra-se das mulheres desempregadas de Setúbal que se tinham de prostituir, quando o senhor deixava, todos os dias, falir fraudulentamente empresas, aí, e pelo país inteiro?... O que vai fazer agora, num tempo em que já não há os célebres três orçamentos, o de Estado, o das Privatizações e o Comunitário, para resolver problemas agravadíssimos?...

C.S. — (pausa) Minha senhora, “procurarei afastar desânimos e pessimismos quanto ao futuro do país, reavivar a esperança e transmitir aos Portugueses uma vontade nacional de vencer, progredir e responder com energia aos desafios colocados pela mudança, convicto, que estou, do papel decisivo da confiança nas nossas próprias capacidades”…

K.R.A. – Portanto, assim com os Funcionários Públicos, eventualmente, ficará à espera de que toxicodependentes, excluídos e desempregados acabem por morrer…

C.S. — Se entretanto não se encontrar uma solução melhor, deixe-me que lhe pergunte a si… e por que não?... E por que não?...

K.R.A. – Voltando à Cultura, de que modo acha que a sua eventual… digamos, magistratura de influência, poderia melhorar o clima de desastre cultural do País?

C.S. – Olhe, minha senhora, para isso, conto com o precioso apoio da Senhora Minha Esposa: deixe que lhe revele aqui um outro pequeno episódio da nossa intimidade. Recentemente, e estando a rever no canal “História” um episódio sobre a biografia de Jacqueline Kennedy, a drª. Maria Cavaco Silva revelou-me que tinha uma particular admiração por Jacqueline, e que muitas das suas orientações de vestir e de estar, ainda hoje, eram fortemente influenciadas por essa amargurada senhora…

K.R.A. – Está-me, portanto, a querer dizer que, no seu íntimo, a Drª. Maria Cavaco Silva se compara com Jacqueline Lee Bouvier Kennedy Onassis?...

C.S. – Isso, exactamente isso (sorri). Suponho, portanto…, que…, se…, quando…, em Janeiro for eleito Presidente da República, a figura da minha esposa também poderá exercer uma verdadeira magistratura de influência internacional e do projectar do gosto de um Portugal, renascido, além-fronteiras (bebe um copo de água). Aliás, quando ela me fala de quando chegará esse importantíssimo momento, eu costumo sempre responder-lhe, “Filha, 300 000 votos: a diferença entre haver, ou não haver, uma 2ª. Volta, separam-nos da tua, nossa, eterna glória”…

K.R.A. – Uma última pergunta sobre este tema, Professor… Para um homem que se diz ter preocupações culturais, lembra-se de Santana Lopes, e dos tempos em que foi Secretário de Estado da Cultura dos seus governos?...

C.S. – (pausa) Sim, lembro…

K.R.A. – Deve estar recordado da célebre história dos Concertos de Violino de Chopin?...

C.S. – (Põe uma Pose de Estado à Henrique Santana) … Minha Senhora, no meu manifesto “As Minhas Ambições para Portugal”, está bem explícito que tudo farei para que Portugal “preserve o seu tradicional repúdio pelo racismo e pela xenofobia”… No tempo em que era Secretário de Estado da Cultura, o dr. Santana Lopes foi acusado de ter dado primazia à descoberta desses inéditos do património musical mundial, os referidos Concertos de Violino de Chopin… Os Portugueses poderiam argumentar, há 10, ou 15 anos, que não era justificável que os recursos financeiros e culturais do nosso país fossem aplicados na divulgação da obra de um compositor estrangeiro, para mais, externo ao espaço comunitário, como era o caso do polaco Chopin. Isso, para mim, já na altura se chamava “Xenofobia”. Hoje, em 2005, na óptica da Globalização e com a Polónia a ser membro de pleno direito do Espaço Económico Europeu, já era, ou não era, visionário que eu, através do meu Secretário de Estado para a Cultura, promovêssemos a obra desconhecida de um compositor de um futuro membro e parceiro da Europa alargada?... Ora, responda lá a senhora por mim!...

GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU - "Cultura e Possidonismo"

K.R.A. -- Passando por alto o célebre agradecimento, ao autor, do Secretário de Estado da Cultura, Santana Lopes, pelo envio das “Obras Completas” de Machado de Assis, morto, em 1908…, disse-me o Professor que a Drª. Maria Cavaco Silva se identificava bastante com Jacqueline Bouvier Kennedy…

C.S. -- É verdade…, mas…, por favor…, não lhe diga que lhe revelei isso aqui... aliás, eu tenho a minha própria visão do assunto…, eu sei que…, em quaisquer circunstâncias…, a minha esposa será sempre, para mim…, uma mais valia…, e que irá exercer, ao longo dos meus dois mandatos, uma verdadeira magistratura de influência, sobretudo do lado do bom gosto. Vou-lhe mesmo confessar uma outra coisa: se ela própria se compara a Jackye, eu costumo, para mim mesmo, ir mais além, e dizer que ela será… a minha… a minha… Grace Kelly… Quantas e quantas vezes, durante estes dois anos em que, no aconchego do lar, preparámos, minuciosamente, a minha candidatura, quantas vezes eu não me aproximei dela, e a beijei, por detrás da orelha, murmurando,” Maria, eu serei o teu Rainier, mas tu também serás a minha Grace…”

K.R.A. -- Acredito piamente em que, depois de 40 anos de casamento, o Professor até possa começar a acreditar nisso tudo, mas tem consciência de que, para o cidadão comum português, o casal Cavaco Silva se presta muito mais à caricatura, à sátira e à maledicência do que ao respeito e à veneração?... Com certeza, já lhe devem ter chegado essas infinitas histórias, que, em forma de anedota, circulam por toda a parte... As histórias das mantas desviadas nos aviões…, a história da ida a Nova Iorque e da pressa em se “safarem” de um “cocktail”, organizado em vossa honra, porque a drª. Maria queria aproveitar 2 bilhetes que tinha recebido, para ir assistir, de graça, a um espectáculo na Broadway…, do convite da Rainha, em Buckingham, para um jantar, e da preocupação imediata da drª. Maria, quando chegou, em ir ajeitar umas pregas na toalha…, das histórias das malas, da Católica, que a Drª. Maria insistia em fazer variar todas as semanas...

C.S. -- ... as malas, sim, é verdade, dessa lembro-me eu bem…, mas repare que nessa altura eu ainda não era primeiro ministro, e que, já que a sua roupa era ela que a fazia toda, por suas próprias mãos…, aliás, deixe-me que lhe diga, umas verdadeiras mãos de ouro, umas mãos de fada, como os Portugueses poderão publicamente comprovar, quando, como espero, for eleito, dizia eu, tudo o que tínhamos investíamos nas malas dela, que, de facto, e na maioria dos casos, até nem eram de imitação...

K.R.A. -- … sim, professor, mas as pessoas também se lembram da Drª. Maria a chegar diariamente, à Católica, ao volante de um Morris mini, e que, no próprio dia da sua eleição, em 1985, como Primeiro Ministro, ela se apresentou nos portões da Universidade, no mesmo Mini, mas sentada no banco de trás, já com um motorista a frente…

C.S. – (risos) … é verdade…, coisas de mulher…, e até lhe digo mais: como, nessa altura, ainda não tínhamos às ordens os “chauffers” do Estado, ela pediu ao meu sogro, o pai dela, que desempenhasse transitoriamente essas funções. Uma mulher expedita, e bem inteligente, como pode ver por essa pequena história do nosso currículo público e familiar.






GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU - "Ministérios e Miserabilismo Ministerial"

K.R.A. -- Mas também ninguém se esquece de Manuela Ferreira Leite, como Ministra da Educação, ou dos saltos entre essa mesma pasta, da Educação, e a dos Negócios Estrangeiros, para pagar os favores do rápido apressamento do reconhecimento do seu doutoramento em Portugal, ao Prof. João de Deus Pinheiro, uma das figuras que melhor incarna o vazio da Era Cavaquista, o ministro dos buracos de golfe, aquele que, enquanto chefe da diplomacia portuguesa era conhecido em França como “le Ministre Portugais des Affaires Etrangères est étranger à ses affaires…”...

C.S. -- … e que, por isso, mesmo, eu rapidamente elevei a Comissário Europeu...

K.R.A. -- … sim, assim como Cardoso e Cunha, uma figura mais do que duvidosa, associada, se bem se lembra, a todo o tipo de calotes e cambalachos, mas, obviamente, nada que se comparasse ao ridículo de Deus Pinheiro, terríveis figuras da insignificância, que só ganharam visibilidade devido à existência de uma autêntica “Nomenklatura”, construída em redor do seu autoritarismo e prepotência…

C.S. -- Mas a senhora permita-me que a interrompa, a senhora por acaso sabe por que é que eu nomeei o Prof. João de Deus Pinheiro para Comissário Europeu?...

K.R.A. -- Por acaso não, pensei que se limitasse a mais uma das célebres “gaffes” do Cavaquismo, e, muito sinceramente, até tenho medo de poder vir a ter mais pesadelos, quando o Professor me esclarecer sobre o facto… (risos)

C.S. -- … eu indiquei o nome do Prof. João de Deus Pinheiro Comissário Europeu, porque, nessa altura, era das poucas pessoas que, em Portugal, sabia dizer, em inglês, “yes” e, em francês, “oui”. Ora, para bem da estabilidade e do progresso do nosso país, era fundamental que então houvesse alguém na Comissão Europeia capaz de dizer “YES” e “OUI, OUI!...”

K.R.A. -- …ou “NO, NO”, porque foi por causa do “Yes” e do “Oui, Oui”, que, em meia dúzia de anos, liquidámos a espinha dorsal da nossa Agricultura, demos ordem de abate à frota pesqueira, de curto e longo curso, em troca de uns quantos milhões de contos... O Professor lembra-se de quando íamos pescar bacalhau à Terra Nova e às costas da Noruega?... O Professor lembra-se de quando a indústria têxtil e do calçado eram prósperas em Portugal?... O Professor lembra-se de ter encomendado um relatório, caríssimo, a um daqueles nomes americanos, que conhecia das notas de rodapé dos seus livros técnicos, para que ele viesse aconselhar Portugal a seguir rotas estratégicas de desenvolvimento, e que ele lhe chegou com conclusões a La Palisse, de que deveríamos apostar no azeite, na cortiça e no Vinho do Porto, como se nós não soubéssemos já isso, e que, em resposta, o professor mandou arrancar sobreiros, cobrir o pais de eucaliptos, e permitir que aparecessem, no mercado mundial, Oportos produzidos na Califórnia e na África do Sul, e que nas prateleiras de qualquer capital europeia só se veja hoje azeite grego e espanhol?...

C.S. -- … minha senhora, em todos os períodos de grande desenvolvimento se cometem erros, mas...

GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU - "Dos Comboios-Fantasma às Estradas da Morte"



K.R.A. -- … e como explica aos Portugueses que, numa imitação provinciana de Margareth Tatcher, tenha desactivado a rede ferroviária nevrálgica do Interior, tornando o interior ainda mais pobre e interior?... Acha normal que, num país completamente dependente da importação do petróleo, se tenha dado a primazia a uma rede de estradas mal feitas, em detrimento das infra-estruturas ferroviárias existentes?...

C.S. -- Minha senhora, os Portugueses tinham direito, nessa altura, a ter estradas mínimas para poderem circular com a sua viatura própria... Nós estávamos, nesse instante, nos pontos mais altos dos nossos índices de Desenvolvimento Humano, comigo como Primeiro-Ministro, e com o Dr. Mário Soares, como Presidente da República… Deixe que lhe recorde que foi nessa altura que os nossos empresários de sucesso do Vale do Ave passaram a dispor de viaturas topo de gama, como não tinham tido até então, que os próprios fabricantes da Maseratti se deslocaram ao nosso país, para verem onde ficava Famalicão, o Umbigo do Mundo, o lugar onde, em toda a Terra mais Maserattis se vendiam!... Por onde é que a senhora queria que os Portugueses andassem, se não tinham estradas?... A senhora, por acaso, ainda se lembra do tempo em que os Portugueses não tinham carro, e eram obrigados a deslocar-se de transportes públicos?...

K.R.A. -- … como acontece nas cidades do Terceiro Mundo, professor, como Londres, Paris ou Nova Iorque... E o Professor também acha normal que as estradas e auto-estradas fossem desenhadas e executadas num permanente regime de violação de regras de traçado, multiplicando desastrosas inclinações e ofendendo curvas de comodidade, chegando a roubar-se 3 cms de asfalto na camada de desgaste?... O Professor sabe, por acaso, quanto economizou, num só ano, a Air Continental, ao decidir colocar uma azeitona a menos em cada prato de uma das refeições servidas a bordo?... Pois economizou 200 000 dólares, Professor… Agora, Professor, imagine quanto dinheiro não terá sido poupado e imediatamente desviado, ao roubar 3 cms de camada de desgaste, ao longo de dezenas, centenas, milhares de quilómetros de uma década de estradas falsificadas...

C.S. – (Silêncio)

K.R.A. – Quanto nos está a custar refazer as suas estradas mal traçadas?... Quando nos vai sair refazer o IP5, a Estrada da Morte, com a sua rede mafiosa de ex-magistrados octogenários, e nonagenários, por detrás, a manipular e a multiplicar custos de expropriações de terrenos?... O Professor acha normal que, enquanto o eixo Franco-Alemão e o Benelux tenham apostado numa fortíssima rede de infra-estruturas ferroviárias de TGV, nós tenhamos chegado ao apuro de, no início do sec. XXI, termos Viseu, a então clássica capital do “Cavaquistão”, a ser ainda a maior cidade europeia a não ser servida por linha férrea?...

C. S. -- ... mas, como sabe, ganhei lá sempre as eleições, o que, deixe-me que lhe diga, também sempre entendi como prova de que estava a seguir o rumo certo. Eu não tinha dúvidas no que estava a fazer, minha senhora, e eles também raramente se enganavam, de cada vez que iam as urnas...

K.R.A. -- A minha leitura desse facto é diferente, Professor: ao contrário das grandes capitais europeias, nas quais, ao longo das mais variadas ocasiões, políticos, chegados da província, se deslocavam à grande metrópole para a absorverem por todos os poros, e ela lhes servir de enorme palco e ensinamento, o Professor limitou-se a espalhar o seu provincianismo pelo país inteiro, e a trazer a sua pequena aldeia para Lisboa...

C.S. -- Aldeia, não, minha senhora, vila, Vila de Boliqueime!... A senhora, por acaso, já foi a Boliqueime?... Olhe que devia ir, é uma verdadeira vila, espelho do progresso português, uma estrada razoavelmente asfaltada, a dividi-la bem ao meio, e uma bomba de gasolina, do lado direito, para os dias de emergência!...

K.R.A. -- não, Professor, nunca fui, e nunca irei a Boliqueime: bastaram-me os dez anos em que fui forçada a ter o espírito de Boliqueime a vir diariamente até mim….

GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU - "Aborto e Casamento "Gay"




K.R.A. – Professor, qual a sua posição sobre um tema candente da sociedade actual: a Interrupção Voluntária da Gravidez?

C.S. – Olhe, minha senhora, isso é matéria que compete à Assembleia Nacional legislar. Suponho que aquilo que a Assembleia Nacional legislar irá ser depois enviado ao Presidente da República, que, a seu tempo tomará a posição que julgar mais adequada... Se me perguntar a minha posição pessoal, para além de candidato à Presidência da República, posso dizer-lhe que a Assembleia Nacional está no seu direito constitucional de definir o quadro legal dessa situação, mas, repito, do meu ponto de vista, quanto a abortos, deixe-me que lhe diga…, pessoalmente…, primeiro, eu, de facto, nunca fiz nenhum, portanto o meu conhecimento do assunto é puramente teórico... depois.... bem... eu acho que os abortos devem ser todos feitos... , como até agora..., para lá da fronteira portuguesa, ou, se quiser..., para lá de Badajoz…

K.R.A. – Ou para quem tenha triunfado na Economia de Sucesso, para lá de Londres...

C.S. –Isso, isso!... Londres, ou mesmo Oxford, onde eu fiz os meus estudos (risos).

K.R.A. – Suponho que quanto ao Casamento Gay, a sua posição seja idêntica…

C.S. – Olhe, para ser sincero, isso é um assunto que deixo à consideração da minha esposa. Sempre que esse assunto surge nos órgãos de Comunicação Social… e deixe-me que lhe diga,.. eu sei que a senhora faz parte de um órgão de Comunicação Social… mas a culpa desses assuntos virem repetidamente para primeiro plano são da exclusiva responsabilidade de… eu diria mesmo… há uma certa manipulação dos factos…

K.R.A. – Manipulação como, Professor?...

C.S. – Repare, minha senhora, a maior parte da população portuguesa está preocupada com os seus salários, com o p"u"gresso da Economia, com a saúde e a educação dos seus filhos...

K.R.A. – Pois…

C.S. – … não está preocupada com ir fazer abortos a Badajoz, ou com ir casar-se com homossexuais. A senhora acha normal, se entrevistar um português na rua, e lhe perguntar se ele se vai casar com um homossexual… sim… a senhora acha que ele lhe vai responder o quê?...

K.R.A. – Não lhe perguntei a opinião do homem da rua, Professor, perguntei-lhe a sua posição, como candidato presidencial…

C.S. – Deixe-me repetir-lhe o que já lhe disse: esse é dos assuntos que eu preferiria deixar para a magistratura de influência da minha esposa… Quer antes que eu lhe diga o que a minha esposa costuma dizer sobre esse assunto?...

K.R.A. – Esteja à vontade, Professor…

C.S. – Pois a Drª. Maria Cavaco Silva costuma dizer que isso é das coisas mais nojentas de que já ouviu falar, e que, graças a Deus, isso das homossexualidades é uma coisa que só existe em certos países, como a Bélgica, ou a Holanda… minha senhora, nós estamos em Portugal, é aos Portugueses que a minha candidatura se dirige, não aos Belgas ou aos Holandeses…

K.R.A. – ... ou aos Espanhóis…

C.S. – Exactamente, minha senhora, a minha candidatura é supra-partidária, e não se dirige nem distingue sectores específicos da sociedade portuguesa, é, sobretudo, como eu digo no manifesto "As Minhas Ambições para Portugal", uma candidatura que valoriza "a pessoa humana e a solidariedade entre gerações e entre regiões".

GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU - "OPUS DEI"

K.R.A. – Professor, gostaria de que falássemos hoje da… "Obra"…

C.S. – Minha senhora, a minha obra está à vista de todos os Portugueses, está descrita na minha auto-biografia, é percorrida todos os dias, pelo cidadão comum!...

K.R.A. – … Professor, tente perceber… Eu gostaria de que falássemos hoje sobre a… Opus Dei.

C.S. – (silêncio) Minha senhora…

K.R.A. – Professor, digamos…, posso começar por lhe perguntar: desde há quanto tempo é que o senhor conhece o General Ramalho Eanes?

C.S. – E eu posso responder-lhe que... (risos) foram as nossas esposas que se conheceram primeiro. Isto é um facto que a maioria dos Portugueses desconhece, mas que eu tenho o maior gosto em revelar aqui: a Drª. Maria Cavaco Silva e a Drª. Manuela Eanes encontraram-se, pela primeira vez, nos Grandes Armazéns do Chiado e no Grandella, onde iam comprar tecidos para chulear em casa. Posso mesmo dizer-lhe que muita da intimidade entre ambas se iniciou, justamente, agarradas ao mesmo rolo de tecido, a pensarem no que é que aquelas mãos de fada poderiam transformar aquela cambraia, aquelas chitas e aqueles "macramés" informes. Era, posso mesmo dizer-lhe, o equivalente ao Choque Tecnológico da altura... (risos). E mal sabiam elas, que, muito brevemente, viriam a ser, uma, a Primeira-Dama de Portugal; a outra, a esposa do Primeiro-Ministro (risos).

K.R.A. – Como o Professor se deve lembrar, o General Ramalho Eanes é a cabeça da sua Comissão de Honra. Ele acabou por receber um grau académico conferido por uma universidade espanhola atida à Opus Dei, a Universidade de Navarra, e muito recentemente, esteve no Museu de Arte Contemporânea, de Serralves, numa sessão evocativa do Bem-aventurado Josemaría, onde "relacionou o pensamento do Bem-aventurado Josemaría com as bases duradouras de uma sociedade a serviço do homem." Uma sociedade, que, do ponto de vista dele, levava a uma consolidação das Nações, através do "ímpeto dos homens que constroem a História"... O Professor não acha estranho que uma figura que assim se expõe, publicamente, com aquilo que é considerado uma SEITA dentro da Igraja Católica Apostólica Romana, subitamente apareça, na cena pública portuguesa, como o seu apoiante número 1?...

C.S. – (silêncio)

K.R.A. – Professor, queria apenas que me esclarecesse se tem conhecimento das conotações entre Ramalho Eanes e esta Sociedade Secreta, que, passo a citar, "actua ocultamente, com um máximo de opacidade nos seus assuntos", como reconheceu o Tribunal Federal Suíço, com sede em Lausanne".... O Professor não receia que o seu tão referido silêncio se coadune, justamente, com esta intervenção OPACA, mas persistente, na sociedade, tão persistente que só cessa quando alcança os seus objectivos?...

C.S. – (silêncio)

K.R.A. – Professor…

C.S. – Peço-lhe desculpa… dá-me licença para que faça um pequena chamada através do meu telemóvel?...

K.R.A. – Com certeza, Professor, mas relembro-lhe que estamos, em directo, perante vários milhões de Portugueses…

C.S. – (murmura umas quantas palavras ao telemóvel e desliga)

K.R.A. – E, Professor?…

C.S. – (pausa)… minha senhora, não estou aconselhado a pronunciar-me mais sobre esse assunto…

K.R.A. – Voltemos então à nossa pergunta. O Professor disse que o vosso relacionamento mais íntimo começou através das respectivas esposas, num armazém de bainhas e tecidos, entretanto, já malogradamente ardido…

C.S. – Exactamente, elas são duas senhoras muito habilidosas de mãos, aliás, julgo já lhe ter dito que a minha esposa... é ela mesma que confecciona os seus próprios vestidos..., aliás..., ela até tinha uma costureira que imitava os modelos que ela via, em Paris… A senhora já imaginou quanto não se poupava, em Portugal, com a minha esposa a reproduzir, cá, os modelos caríssimos, que via no Faubourg Saint-Honoré, ou na Avenue Montaigne?...

K.R.A. – Portanto, o vosso relacionamento, digamos, mais íntimo, vem por via feminina?...

C.S. – Sim, quer eu, quer o General Ramalho Eanes, pertencemos a uma Associação dos Casais de Nossa Senhora do Rosário…

K.R.A. – … que consiste em?...

C.S. – Trata-se de uma associação de casais bem formados, capazes de rir, sofrer, de amar, de… enfim… criar, em conjunto, uma "piedade sólida e activa, sobressair no estudo, sentir firmes desejos de apostolado profissional", e poder levar os outros a formarem aquilo, que, atrever-me-ia a afirmá-lo…, seja… "uma elite tecnocrática"…, capaz de conduzir Portugal aos caminhos da Confiança, do Progresso e Economia de Sucesso.

K.R.A. – O Professor sabe que a Opus Dei foi, recentemente, humilhada publicamente, ao ser considerada pelo Parlamento Belga uma organização sectária, a par da Igreja de Cientologia, das Testemunhas de Jeová, e da Igreja Universal do Reino de Deus…

C.S. – Desconhecia, minha senhora... Como sabe, evito ler jornais, para além do "Financial Times"… Mas deixe-me que lhe diga: já aqui falámos da Bélgica, e a Bélgica não é um exemplo a seguir, já que é um Estado que também apoia várias coisas… enfim… contra a Natureza, como os tais casamentos de homens invertidos, mulheres que se prostituem, e tantas outras coisas que, Deus me perdoe, prefiro continuar a ignorar…O mais que lhe posso dizer é que, se for eleito, como espero, não desenvolverei em Portugal um modelo como o belga.

K.R.A. – Em contrapartida, o Professor considera normal que o General Ramalho Eanes tenha proferido, perante uma sala cheia, palavras de louvor a Balaguer, como as seguintes: "Se não desejasse ele também o impossível, se não fosse insaciável a sua sede de perfeição absoluta, se não quisesse estar com o Pai, bem servindo os homens, como poderia ele ousar, ou melhor, atrever-se, à originalidade desafiante da sua pregação"?... O Professor repita ao homem da rua este discurso, e pergunte-lhe o que ele pensa dele…

C.S. – Minha senhora… desconhecia essas palavras…

K.R.A. – Pois essas palavras estão presentes, e acessíveis, para quem as queira ler, num "site" oficial da … enfim… da "OBRA".

C.S. – (silêncio)

K.R.A. – Com certeza não desconhece que, nos Anos 70, após o gigantesco escândalo da falência do Banco Ambrosiano, intimamente ligado ao Instituto das Obras Religiosas, o Banco Central do Vaticano, que, consta, entre outras instituições, financiava directamente o Partido Italiano da Democracia Cristã e o sindicato polaco "Solidariedade", do aparecimento de um seus directores, misteriosamente enforcado, em Londres, numa das pontes do Tamisa, da fuga do Cardeal Marcinkus, Presidente do Instituto das Obras Religiosas, para a inviolabilidade diplomática e religiosa do Estado do Vaticano, do espantoso escândalo, que foi a descoberta das ramificações entre o Banco Central da Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana e a Loja Maçónica P2, a Máfia e a "Cosa Nostra", entre outros… não desconhece que, depois de tudo isto, que já não era pouco, a Opus Dei, sociedade de banqueiros e gente difusa da Alta Finança, foi chamada a intervir financeiramente, de modo a que o Vaticano pudesse não entrar numa situação de bancarrota técnica…

C.S. – Sim, minha senhora, eu estava a acabar o meu doutoramento em Oxford, mas não liguei muito ao assunto, desculpe que lhe diga, os Órgãos de Comunicação Social… enfim… são muito dados a certos exageros…

K.R.A. – …exageros que vão ao ponto de afirmar que o custo desta injecção de capitais, por parte da ultra-conservadora Opus Dei, foi a liquidação sumária do recém-eleito Cardeal de Veneza, o Papa João Paulo I, e a sua imediata substituição por um Cardeal polaco, o candidato da OBRA, o polaco Karol Woytila, por sua vez, a face visível de um poder ainda mais oculto e assumidamente Opus Dei, o Cardeal alemão, Ratzinguer…

C.S. – … Uma pessoa muito interessante e bondosa, o nosso Papa Bento XVI, que, posso revelar-lhe em primeira mão, constituirá a minha primeira visita oficial e de Estado, quando, como espero, seja eleito Presidente da República, em Janeiro de 2006. Posso dizer-lhe que foi a coisa que eu imediatamente prometi à minha esposa, a Drª. Maria Cavaco Silva…

K.R.A. – Não o espanta que a canonização de Escrivá Balaguer tenha sido a mais rápida da História da Igreja, assente num milagre que, supostamente, teria feito, graças à cura miraculosa de cancro da freira Concepcion Boullón Rubio, prima de um ministro de Franco ligado ao Opus Dei, aliás, um dos 12 ministros Opus Dei, do derradeiro governo de Franco, que contava com 17 membros?...

C.S. – Minha senhora, o reconhecimento das boas pessoas não me espanta…

K.R.A. – … um homem colérico e rancoroso, o Santo dos Muito Ricos, cuja estátua, espante-se, Professor, já foi discretamente colocada, ao lado de homens que distinguiram pela piedade, pelo amor do próximo e dos mais desfavorecidos, na fachada da Basílica de São Pedro, a mesma basílica planeada por Bramante e Miguel Ângelo…

C.S. – Minha senhora, a minha área, como sabe, são as Finanças Públicas, não a Arquitectura…

K.R.A. – O Professor já pensou que a sua táctica de candidato presidencial, ou melhor, a táctica de candidato presidencial das PESSOAS SEM ROSTO, que por detrás de si se ocultam, passa por muitas das estratégicas tipicamente associadas com as manobras de sombra e bastidores da Opus Dei, os candidatos que se movem na penumbra, SEM FACE e no SILÊNCIO, até alcançarem os patamares pretendidos, e poderem depois exercer, de forma exemplar, os seus desígnios?...

C.S. – Minha senhora, os rostos dos meus apoiantes são todos conhecidos, o General Ramalho Eanes, o Dr. Mota Amaral, o Dr. Paulo Teixeira Pinto, o Presidente da maior Instituição Bancária Portuguesa, o Millennium-BCP…

K.R.A. – Tudo pessoas fortemente afastadas da Opus Dei…

C.S. – Exactamente, minha senhora, e, como eu, supra-partidárias, e longe de serem políticos profissionais…

K.R.A. – Deixe-me interrompê-lo e recordar-lhe que a estratégia da OBRA se move particularmente bem numa sociedade em que os sectores económicos estejam privatizados. Os tecnocratas do Opus Dei são as pedras deste xadrez do poder. Por vezes, os negócios correm mal e há que sacrificar um peão. Nesses casos, a responsabilidade é sempre assumida a título individual e a Opus nunca é beliscada. Isso não lhe faz lembrar o modo como se procedia à substituição dos seus ministros, durante o Período de 1985-1995?... Quando algo corria mal, não era sempre o elo mais fraco que era sacrificado?...

C.S. – Minha senhora, que exagero…

K.R.A. – Pois, Professor, a estranha rivalidade que move Mário Soares contra o General Ramalho Eanes, talvez tenha aqui uma estranha e imprevista explicação, mais pragmática e evidente, se tomarmos como dado que, ao contrário do Rei de Espanha, D. Juan Carlos, o político mais respeitável do Espaço Ibérico, que imediatamente afastou da sua vizinhança o seu ex-preceptor, Opus Dei, o General Ramalho Eanes teria entreaberto as portas para a entrada da Seita no território português…

C.S. – Minha senhora…

K.R.A. – … e mais lhe posso dizer, Professor, que haja já quem tenha entrevisto, nesta disputa do Poder Presidencial, uma tentativa da Opus Dei para, depois de ter eleito um Papa, começar a ganhar terreno no espaço político laico, nomeadamente, nos países da Europa Meridional…Não acha que a recente história dos crucifixos nas paredes das escolas foi uma armadilha muitíssimo bem montada para o atrair para um terreno onde poderá ser rapidamente eliminado?...

C.S. – Minha senhora, que eu saiba…

K.R.A. – Independentemente de o Professor o saber, ou não, pode ser que alguém, por detrás de si, tenha súbita, mas premeditadamente, decidido interromper uma série dinástica de Presidentes da República perto da Linhagem Maçónica, colocando no Poder um Presidente da República não-hostil à Opus Dei.
Mas isso é um assunto que o Professor terá de rapidamente esclarecer com os Portugueses, ou seja, não é comigo, mas entre si e os cidadãos seus eleitores...

GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU - "Que Futuro?..."

K.R.A. – Professor, apesar de se apresentar como um candidato supra-partidário, continua a ser um Sá-Carneirista convicto…

C.S. – Sim, minha senhora, e, agora... que passa mais um malogrado aniversário sobre o seu desaparecimento, do fundo do meu coração, cada vez mais me sinto um Sá-Carneirista convicto...

K.R.A. –Tem consciência, no entanto, de que no período em que dirigiu o P.S.D., foi inúmeras vezes criticado por ter tentado destruir a espinha dorsal do partido desse fundador, afastando-se da ideologia inicial, e, sobretudo, deixando infiltrar-se nele todo o tipo de carreiristas provenientes das mais diversas fontes, sobretudo ex-maoistas, dos quais salientaria, pela negativa, Durão Barroso, Pacheco Pereira, ou, mesmo Zita Seabra...

C.S. – Minha senhora, em todos os períodos de crescimento…

K.R.A. – Sim, Professor, todos o períodos de crescimento são iguais, mas eu atrever-me-ia a dizer-lhe que há uns mais iguais do que outros. Todavia, e repegando na sua afirmação, enquanto Sá-carneirista, continua a acreditar em "Uma Maioria, um Governo, um Presidente"?

C.S. – Do mais fundo do meu coração, minha senhora…

K.R.A. – No entanto, se, como pensa, for eleito, em Janeiro, o Professor terá uma Presidência, mas uma maioria e um governo, em nada coincidentes consigo…

C.S. – Deixe-me discordar do que disse… Deixe-me dizer-lhe que o Eng. Sócrates…

K.R.A. – … que o Eng. Sócrates se atreveu a fazer em 7 ou 8 meses tudo aquilo que nem o próprio Professor conseguiu, nos seus 10 anos de maiorias absolutas…

C.S. – E é por isso que eu próprio tenho, repetidas vezes, afirmado que é muito cedo para julgar o Eng. Sócrates…

K.R.A. – Não estranha que o Povo Português, que se levantou contra si na Ponte, que permanentemente obstruía a sua governação, através das célebres "forças de bloqueio", subitamente se tenha deixado domesticar, e passado a aceitar, bastante passivamente, coisas e situações que teria liminarmente rejeitado, no período 1985-1995?...

C.S. – Isso só vem provar que eu tinha razão, e que já nessa altura não me enganava, e que Portugal poderia estar num outro caminho…

K.R.A. – Eventualmente, na cauda de todos os países entrados neste último alargamento. Deve estar lembrado de que a sua desatenção aos problemas sociais foi tal que o seu sucessor, o Eng. Guterres, teve de dizer que era chegada a altura de esquecer os números e começar a pensar nas pessoas…

C.S. – E a senhora acha bem o que ele fez, ao tentar alargar a base de distribuição de capitais por pessoas sem habilitações, muitas delas que nem sequer sabiam onde ficava Oxford, esbanjando, e provocando um desequlíbrio das Contas Públicas?…

K.R.A. – … o desequilíbrio das Contas Públicas era seu, Professor.., o maior "deficit" do período, apesar dos célebres 3 Orçamentos, o de Estado, o das Privatizações e o dos Fundos Estruturais. Mas vou-lhe perguntar directamente: por que pensa que os Portugueses estão a acatar tão pacificamente as medidas do Eng. Sócrates?...

C.S. – Sinceramente, penso que os Portugueses amadureceram, se habituaram à existência de uma Finança próspera, a que os salários devem ser tributados para ajudar, sempre que necessário, ao equilíbrio das contas públicas…

K.R.A. – A minha explicação é outra, Professor: os Portugueses estão calados, porque, nas expectativas que tiveram, durante o período crítico de 1985-1995, de se tornarem cidadãos europeus de pleno direito, viram, pelo contrário, desaparecer os Fundos Estruturais, diminuir o seu nível de Formação, aumentar desmesuradamente o Custo de Vida, sem consequente aumento de salários, e, em contrapartida, endividarem-se cada vez mais, para poderem ter algo que se assemelhasse ao Sonho Europeu que lhes estava a ser descaradamente roubado…

C.S. – Minha senhora…

K.R.A. – Pois é, Professor, os Portugueses estão calados porque estão crivados de dívidas, apavorados com darem um gesto em falso, e lhes cair imediatamente em cima a garra das penhoras do carro, da casa e de todos os bens que tiveram de adquirir artificialmente, através do recurso a cada vez mais prósperas e usurárias instituições financeiras. Depois de ter deixado as pessoas com habilitações básicas, de ter dado carta branca para a destruição da Agricultura, das Pescas, da Indústria, depois de ter tornado Portugal num mero quintal de bens importados, o que pensa o Professor fazer, caso seja eleito, para inverter esta tendência?...

C.S. – Minha senhora, a senhora está a ser injusta… Obviamente que Portugal precisa de uma dose de confiança que só a minha eleição lhe poderá dar, mas relembro-lhe que nos encontramos numa sólida situação das instituições financeiras privadas. Só nos primeiros meses deste ano…

K.R.A. – Portanto, o Professor não exclui a hipótese de lançar todos os Portugueses para o Sector Terciário?...

C.S. – Se isso for uma solução, por que não?...

K.R.A. – Ou seja, em última análise, de colocar metade da população defronte de monitores do Millennium-BCP ou do Banco Espírito Santo, a consultar o que a outra metade vai depositando do outro lado do balcão, trocando depois de posição, passando os do monitor para o balcão e os do balcão para o monitor, tudo isto em sistema fechado, e debaixo de um circuito de vídeo-vigilância?...

C.S. – E por que não, minha senhora?... Se vir bem, isso até seria uma matéria de ampla colaboração Presidente/Governo, ou, mesmo, uma abordagem inovadora do Choque Tecnológico!...

K.R.A. – Com os Portugueses já habituados à dureza das medidas de austeridade, não lhe poderia passar pela cabeça que, depois de eleito, e, portanto com dois desaires eleitorais seguidos, Autárquicas e Presidenciais, para a área da actual Maioria, considerar que estavam reunidas as tais "condições excepcionais" para uma dissolução da Assembleia, e convocação de eleições antecipadas, ou seja, submeter os Portugueses às mesmas medidas, mas lideradas por um Governo P.S.D., eventualmente encabeçado por Manuela Ferreira Leite?...

C.S. – Minha senhora, é muito cedo para me pedir que trace aqui esses cenários…

K.R.A. – ... que para alguém que acredita numa Maioria, num Governo e num Presidente, talvez não estivessem assim tão afastados…

C.S. – Minha senhora, cada coisa a seu tempo.

K.R.A. – O Professor confessa-se uma pessoa muito atenta às mudanças mundiais, sobretudo, ao problema da Globalização. Como quer devolver a confiança e melhorar o nível de vida dos Portugueses, sem o rio de ouro dos Fundos Comunitários, e com os Chineses, por exemplo, a produzirem 10 vezes mais e a ganharem 100 menos, para lançarem no mesmo patamar de, enfim… sucata, a que o Professor reduziu a Indústria Portuguesa, entre 1985-1995?...

C.S. – Ora ainda bem que me fala no exemplo Chinês: aí está o exemplo de onde uma nação confiante, com uma direcção forte e um modelo económico bem definido, pode atingir enormes níveis de produtividade a baixo custo…

K.R.A. – Está a falar do trabalho escravo e das contrafacções?...

C.S. – Obviamente que não, minha senhor, a Sociedade Neo-Liberal não é feita de escravos!... Basta… enfim... eu posso dar-lhe um exemplo… quando vou com a minha esposa, a Paris, tirar os modelos das roupas que se vão usar no ano seguinte, e que a costureira dela a ajuda a fazer, é usual ver muitas pessoas bem sucedidas, eu diria mesmo, milionários chineses, a fazerem as suas compras nas lojas mais caras de Paris, como qualquer cidadão ocidental!... A senhora não me vai dizer que os Campos Elísios estão cheios de escravos chineses!...

K.R.A. – Nem o Professor afirmar que são alguns milhares de chineses abastados que podem esconder a subsistência, em níveis mínimos, e com horários de trabalho inaceitáveis em qualquer sociedade pós-iluminista, de largas faixas de milhões de humanos, seus concidadãos…

C.S. – Minha senhora, numa sociedade de cariz liberal, nem todos poderão triunfar por igual, mas devemos dar-nos por satisfeitos de que haja muitos chineses a poderem ir a Milão, Paris, Londres ou Nova Iorque fazer as suas compras!... Os outros, eventualmente, não souberam aproveitar as oportunidades a que tiveram acesso. Posso mesmo adiantar-lhe que, se pudesse, gostaria de ter percentualmente, em Portugal, o mesmo número de milionários de que a China já dispõe…

K.R.A. – Posso assegurar-lhe, embora não disponha dos números exactos, de que poderá ter conseguido algo muito próximo desse objectivo, durante os seus dois mandatos governamentais…

C.S. – Ora aí está, vê como me dá razão, e de como o modelo chinês poderá ser um bom indicador para Portugal recuperar a Confiança, a Força de Vontade e os objectivos que agora lhe faltam!...

K.R.A. – É curioso como o Professor, um neo-liberal, se venha socorrer de um modelo pró-comunista, neo-reformado… aliás, há quem diga que o seu pragmatismo, duro, e de algum modo apolítico, terá muitas vezes levado a que muita da Direita mais radical se tenha revisto em si, ao mesmo tempo que conseguia fascinar uma Esquerda de teor Estalinista mal-disfarçado. Não nos podemos esquecer de que, durante duas maiorias absolutas consecutivas, conseguiu roubar votos, não só ao sector Democrata-Cristão, transformando o C.D.S. no célebre "Partido do Táxi", como também os roubou ao P.S. e mesmo ao ortodoxo P.C.!... 50% de votos não se conseguem, meramente recorrendo ao eleitorado de base social-democrata…

C.S. – E tenho muito orgulho desses feitos…

K.R.A. –… que foram obtidos em tempo de vacas gordas. Relembro ao Professor que só lhe foi permitido governar com conforto depois de o último Governo de Bloco Central, presidido pelo Dr. Mário Soares, ter, com o auxílio de Ernâni Lopes, equilibrar as Contas Públicas. Ou seja, o Professor apareceu, quando as condições eram favoráveis, e tornou-se célebre por desaparecer, sempre que a conjuntura não lhe era de feição, e basta relembrar o seu abandono do Governo da A.D., presidido por Pinto Balsemão – que nunca lho perdoou --, ou já no final da sua 2ª. Maioria Absoluta, quando entregou o Dr. Fernando Nogueira às feras, sabendo que se arriscava, como veio a acontecer, a perder…

C.S. – (silêncio)

K.R.A. – Os Portugueses não deverão temer, com a situação económica, financeira e social do país a degradar-se, de dia para dia, que o Professor, subitamente, e, mais uma vez, abandone o barco?...

C.S. – Minha senhora…

K.R.A. – Resumindo: já ficou aqui patente que o Eng. Sócrates encontrará em si um aliado para prosseguir políticas que não pouparão nada, nem ninguém, para dar o primado do equilíbrio das contas, em detrimento do bem-estar social…

C.S. – Minha senhora, na minha especialidade de Finanças Públicas…

K.R.A. – Já sabemos: na sua especialidade, uma conta certa vale um milhão de pedintes, e dois milhões de desempregados…

C.S. – Ó, minha senhora, por amor de deus…

K.R.A. – ... e que quando os Portugueses já estiverem suficientemente descalçados, endividados e garrotados, e o Eng. Sócrates se tornar num força de bloqueio, poderá abanar a situação partidária, de modo a voltar a chamar a sua área política de base para o Governo…

C.S. – (silêncio)

K.R.A. – Que culturalmente, apenas poderemos esperar de si o regresso de Lá Férias, Ritas Ferros e Vascos Graças Mouras…

C.S. – E de Katia Guerreiro, minha senhora…

K.R.A. –… sim, eventualmente a sua maior conquista pré-eleitoral: ter introduzido no imaginário português o KAPA, uma letra que não pertence ao nosso alfabeto…

C.S. – Também teremos, em 2006, o "Rock in Rio"…

K.R.A. – … mais uma vez, patrocinado pela Opus Dei, que , aliás, tinha uma gigantesca árvore de Natal plantada, o ano transacto, em Belém, e que, este ano, já a conseguiu pôr a desfigurar a excelente Praça do Comércio, e que pelo avançar dessa Seita no nosso quotidiano, para o próximo ano, deverá ter uma árvore de Natal prantada no alto do Castelo de São Jorge!...

C.S. – Minha senhora, por amor de deus…

K.R.A. – O Professor tem consciência de que, apesar de tudo se lhe apresentar como favas contadas, ainda agora a procissão vai no adro?... Lembra-se do que sucedeu em 1986, com a 2ª Volta das Eleições Presidenciais, em que Freitas do Amaral, "QUASE" eleito à 1ª., foi derrotado pelo candidato Mário Soares, que partia em visível desvantagem, e com um desgaste governamental fortíssimo?...

C.S. – O Professor Freitas do Amaral, que tive muito gosto em apoiar…

K.R.A. – … enquanto parecia ir ganhar, e cujas dívidas de campanha deixou de ajudar a pagar, mal ele perdeu… O Professor Freitas do Amaral… O Professor Cavaco Silva não tem medo, por exemplo, do impacto que venha a ter no espectro eleitoral português uma pública declaração de apoio do Professor Freitas do Amaral à candidatura de Mário Soares?... Não poderá começar aí o fim da sua… enfim… euforia pré-presidencial?...

C.S. – (silêncio)

K.R.A. – Professor, esta nossa entrevista já vai longa, a partir de hoje, o Professor irá ter oportunidade de discutir estas e outras ideias, nos sucessivos debates televisivos, em que irá participar, mas antes de nos despedirmos, gostaria de lhe pôr uma última questão: uma coisa que muito intriga os seus vizinhos, e escandaliza, mesmo, as senhoras suas vizinhas da Lapa, é por que é que o Professor, sempre que se desloca à "Pastelaria Carrossel", em de vez de fazer o que qualquer avô normal faria, só dá meio queque ao seu netinho?…

C.S. – (sorri) Minha senhora, é para que, quando ele encontrar a Maria da vida dele, lhe possa estender a outra metade, e dizer: "Toma, Maria, esta metade estava guardada para ti…"

FIM